O estar só

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Apesar de toda modernidade, campanhas feministas e bandeiras levantadas em prol da independência da mulher, percebemos um empurrão escancarado das pessoas exigindo que você sempre tenha alguém do lado, ainda que seja o relacionamento mais fajuto do mundo, somente para dizer que está com alguém. Parece que muitas famílias não suportam um almoço de domingo com a pessoa avulsa sentada a mesa, os amigos querem encontro de casais e você, sozinha, não rola. É como se fosse uma obrigação a pessoa ter que namorar, casar, ter filhos e blá, blá, blá.

Eu sou a maior defensora do amor e da construção da família, mas sei respeitar o direito da pessoa em querer ficar só. O que não dá são as pessoas entrarem em relacionamentos por conveniência, somente para agradar a sociedade, a família, os amigos. Casamento, namoro, relacionamento em si, não é uma convenção ou, ao menos, não deveria ser. Ficar sozinho ou relacionar-se é muito mais do que uma escolha e aí eu gostaria de ponderar algumas coisas.

Estar só e solidão são coisas distintas, não se pode confundir as duas coisas. Estar só pode ser algo momentâneo ou não, mas está ligado a uma motivação interna. Ao passo que a solidão é mais uma consequência externa por ausência de relacionamentos que podem muitas vezes levar até sintomas psicológicos graves, como depressão.

Eu compreendo que estar só não é uma questão de não ter companhia ou de não querer/saber se relacionar. Existem momentos da vida que desejamos estar só, precisamos de um tempo para nós mesmos. Quem já passou por isso sabe. Não é algo que se escolhe, está mais próximo de uma necessidade interna, que acontece naturalmente e o tempo vai se encarregando de colocar tudo no seu devido lugar. Então respeite o momento do outro, ele precisa desse tempo para compreender-se e assim poder fazer suas escolhas. O que há de errado nisso? Nada, tirando o fato de que o silêncio do outro e seu isolamento nos incomoda, porque a angústia do vazio é nossa.

Entretanto, eu ainda defendo a tese de que fomos criados para a vida em grupo, seres dependentes que precisam relacionar-se. Penso que depois de um tempo a pessoa será tomada pelo desejo de ter alguém, de forma natural, sem pressões ou cobranças externas. Tudo bem, você pode me dizer “mas eu conheço pessoas que estão sozinhas há muito tempo e são felizes assim, não sentem vontade de ter alguém”, e eu terei que concordar com você. Mas posso lhe assegurar que esses casos são exceções e não estou falando de exceções aqui.

Existe ainda outro lado de estar só, que este sim é baseado em escolha e, neste caso, vejo como algo prejudicial.  Duas amigas conversavam sobre relacionamentos: Uma estava sofrendo, com medo, por já ter sofrido demais – a outra sofria, com medo de um dia vir a sofrer, por nunca ter sofrido.

Não me concebe o fato de alguém optar por ficar sozinha por medo de sofrer ao se envolver com alguém. Calma! Não acho que a pessoa não tenha o direito de querer ficar sozinha, aliás, Deus nos deu o livre arbítrio e quem sou eu para revogá-lo. Minha contestação se baseia no fato de que a escolha por ficar só não pode ser pautada no medo de sofrer, pois embora o relacionar-se seja praticamente sinônimo de sofrimento, ficar sozinho também não é garantia de felicidade.

Quando uma amiga me disse que não se vê namorando, casando, tendo filhos, eu disse: Caô! Neste caso, digo isso com propriedade porque ela nunca se permitiu envolver-se de verdade com alguém. Ao menor sinal de “apaixonamento” ela cai fora. Não cria laços, não se apega, não dá tempo para fincar raízes. Por isso eu digo, o caso dela ficar sozinha é uma escolha baseada no medo. Ela não sabe o que é estar na companhia de alguém, então como pode ela saber que prefere ficar só? Ela justifica seu medo pelas experiências das pessoas que conhecem. “Todos as pessoas que eu conheço e que tiveram ou tem relacionamentos, sofreram ou ainda sofrem”. Ora bolas, se exibir com o chapéu dos outros não dá né. Se for para sofrer que sejam por suas próprias dores, afinal ninguém vai se oferecer para sofrer por você.

Muitas vezes as pessoas não fazem isso intencionalmente, é inconsciente mesmo. Funciona como uma defesa e a pessoa racionaliza demais, evitando contato e rompendo com possibilidades muito antes  delas existirem. Tudo isso porque temem o que tem do outro lado da porta que toca a campainha. Assustada olha pelo olho mágico, se amedronta com aquele louco estranho ali se convidando a entrar e acha melhor não se arriscar. Boba! Mal sabe ela que o amor é ladrão, ele não bate na porta, ele usa chave mestra. Ele entra de mansinho, sorrateiramente e, quando você menos espera, ele já entrou, já se instalou, e aí fica difícil botar pra fora.

Acho que é isso, tudo deve acontecer de forma natural, tanto o relacionar-se quanto o ficar só, pois como dizia Gibran “na verdade, todas as coisas movem-se dentro de vós em constante meio-enlace, as desejadas e as receadas, aquelas que vos repugnam e aquelas que vos atraem, aquelas de que fugis e aquelas que procurais”.

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